sexta-feira, 1 de julho de 2011

Ilex paraguariensis: a planta da Pholia Negra




Por: Rose Aielo Blanco*

Primeiro foi a Pholia Magra, - nome comercial de um fitoterápico que causou alvoroço como emagrecedor e chegou a ser batizado de “erva anti-barriga”. Apesar de febre nos Estados Unidos e em muitos países da Europa, a Pholia Magra é fabricada a partir do extrato de uma planta brasileiríssima: a Cordia ecalyculata Vell. ou Cordia salicifolia. No Brasil, esta espécie vegetal ocorre desde o estado de Minas Gerais até o Rio Grande do Sul, sendo encontrada também em Brasília e no Acre. Popularmente ela é conhecida como porangaba, cafezinho, café-do-mato, chá-de-frade e louro-salgueiro.

Depois da popularidade da Pholia Magra, eis que outra Pholia tem chamado a atenção e roubado a cena. Desta vez é a Pholia Negra – também nome comercial (TM) de um fitoterápico derivado do extrato concentrado de uma planta que, segundo várias fontes, tem origem indígena e é usada há séculos.

Sim, provavelmente você conhece a planta da Pholia Negra. Ela atende pelo nome científico de Ilex paraguariensis e é ninguém menos que a conhecida erva-mate!

Originária do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, a erva mate recebe muitos nomes populares, entre eles, erveira, erva, erva-verdadeira, erva-congonha, erva-chimarrão, , chá-dos-jesuítas, chá-das-missões, congonha-das-missões, congonheira, mate-legítimo, mate-verdadeiro, chimarrão, tereré, tererê, chá verde nacional ou simplesmente mate. Quanto ao nome científico, são aceitas sinonímias: Ilex curitibensis Miers., Ilex domestica Reiss., Ilex mate St. Hill., Ilex sorbilis Reiss., Ilex vestita Reiss. e Ilex theaezans Bonpl. Já para os índios, a erva mate tinha nomes como caá, caá-caati, caá-emi, caá-ete, caá-meriduvi, caá-ti, caá-yara e caá-yarií.

Presente de Tupã

Existem algumas lendas que cercam a erva mate. A maioria das referências conta que existia um guerreiro guarani já velho e sem vitalidade para os combates, caça ou pesca que vivia isolado com sua bela filha Yari, que dedicava todo seu tempo para cuidar dele com muito carinho.Um dia, Yari e seu pai receberam a visita de um viajante desconhecido a quem deram acolhida, alimento e descanso. Para acalentar o repouso do viajante, a jovem entoou um belo canto suave, mas triste.

Ao amanhecer, o viajante declarou que era um enviado de Tupã e que para retribuir-lhes toda aquela hospitalidade atenderia a qualquer desejo. O velho índio, sabendo que sua jovem filha se isolara para poder cuidar dele, pediu que lhe fossem devolvidas a força e a vitalidade, para que Yari se tornasse livre.

Assim, o mensageiro de Tupã entregou ao índio um galho de árvore de Caá, ensinando-lhe a preparar uma bebida que lhe devolveria todo o vigor. Para completar, transformou Yari em Caá-Yari - a deusa da erva-mate e protetora da raça guarani. E foi assim, que a erva-mate passou a ser usada por todos os guerreiros da tribo, tornando-os mais fortes e valentes.

Um pouco da história....

Apesar de hoje a Ilex paraguariensis ser muito famosa por suas qualidades, em outros tempos a história foi bem outra. Os colonos espanhóis, instalados na região do Paraguai, logo observaram que os índios apreciavam demais aquela bebida preparada a partir das folhas de mate, por seus efeitos revigorantes, estimulantes e – diziam – afrodisíacos. Pronto! Foi o suficiente para que os jesuítas espanhóis proibissem seu consumo, batizando a planta de "erva do diabo".

Durante a proibição do uso da erva-mate, os jesuítas castigavam duramente os índios desobedientes. Chegaram a instituir, como último recurso, a "excomunhão" daqueles que insistiam em tomar o mate. Usavam como estratégia incutir a idéia de que Anhangá – o deus do mal na mitologia índia - havia enfeitiçado os ervais, transformando a erva em um poderoso e mortal veneno.
Já os índios, por seu lado, sempre davam um jeito de derrubar a versão dos jesuitas. Os sábios pagés, que conheciam o valor da erva-mate, logo criaram um antídoto para o “veneno" de Anhangá: bastava não tomar a primeira ceiva da infusão. Ela deveria ser cuspida fora por cima do ombro esquerdo e, a partir daí, podia-se, tranquilamente, tomar o restante do mate, sem temer o envenenamento.

Mas essa história durou pouco. Logo, os espanhóis experimentaram e aprovaram a bebida, adotando-a como integrante básico em sua alimentação. Daí para a grande virada, foi um passo. Os jesuítas, que realizavam as chamadas missões ou reduções, começaram a organizar o cultivo e a produção da erva-mate e passaram a abastecer os colonos espanhóis em toda a área da bacia platina (compreendendo as regiões da Argentina, Paraguai, Uruguai e Rio Grande do Sul). A erva então deixou de ser “do diabo” e passou a render aos jesuítas grandes lucros com o seu comércio.

Mais tarde, por volta do século XIX, o Paraguai se isolou dos outros países e proibiu a exportação de erva-mate. A medida fez com que a Argentina e o Uruguai substituíssem a erva-mate paraguaia pela brasileira, impulsionando seu cultivo no Paraná e em Santa Catarina. Foi o chamado Ciclo da Erva-Mate no Brasil.

Bem antes disso, a fama da erva-mate corria solta e atraiu também a atenção do rei de Portugal, como ficou registrado numa de suas comunicações com a colônia:

“… D. João, por graça de Deos, Rey de Portugual e dos Algarves, d’aquem e d’alem Mar, em Africa, senhor da Guinée… – Faço saber a vós, Rodrigo Cezar de Menezes, Governador e Capitão General da Capitania de São Paulo, que ca se tem notícia que nas terras dessa Capitania ha herva a que chamão Congonha, e os Castellanos ‘La Provechosa’ [ a proveitosa]…, porque della se diz poder tirar grande utilidade: Me pareceo de alvitre ordenarvos envieis a este Reino a ordem do meu Conselho Ultramarino, um caixão da dita herva com a receita da forma como se uza della…”.

E por falar em forma de usar, uma outra curiosidade é que a maioria das referências que pesquisei afirmam que a bebida originalmente era preparada apenas com água fria pelos nativos e pelos primeiros conquistadores espanhóis. Somente mais tarde, quando organizaram seu cultivo e exportação, é que os jesuítas inventaram o hábito de beber o mate com água quente, ao invés de fria. Uns dizem que foi para imitar o preparo do chá (Camellia sinensis) na Europa, mas tudo indica que a verdadeira razão era o receio de contrair doenças bebendo água sem ferver.

A planta como ela é....

Erva-mate
Nome científico: Ilex paraguariensis (sinonímia: Ilex curitibensis, I. domética, I. mate, I. sorbilis, I. vestita, I. theazans)
Família: Aquifoliáceas
Origem: Sul do Brasil, nordeste da Argentina e leste do Paraguai.

A erva-mate é uma planta perene, de porte arbóreo a grande, possui tronco de cor cinza-claro a castanho. Suas folhas apresentam cor verde-clara a verde-escura, com nervuras salientes na face inferior. Tanto as folhas como os ramos novos são usados no preparo de uma bebida que recebe nomes de acordo com a forma de preparo: chimarrão (feito com água quente); tererê ou tereré (preparado com água fria) ou infusão (quando se usa água fervente).
As flores são pequenas, brancas e surgem agrupadas nas axilas das folhas com os ramos, mais tarde elas se transformam em bagas de cor vermelho brilhante.
A planta se desenvolve bem em condições de clima frio a ameno, em solos bem drenados e ricos em matéria orgânica. Não se dá bem em solos compactados.
A propagação é feita por meio de mudas obtidas de estacas enraizadas e retiradas de ramos ou de mudas originadas de brotações das raízes. O cultivo por meio de sementes não é indicado, porque demoram muito para germinar, em razão da sua dormência.

A dificuldade com o plantio por meio de sementes acabou por gerar outro fato interessante: na época em que os jesuítas dominavam o cultivo da erva-mate, os senhores coloniais queriam a todo custo entrar naquele mercado, mas encontraram muita dificuldade, pois não conseguiam fazer com que as sementes germinassem. O método usado pelos jesuítas para produzir as mudas de erva-mate sempre permaneceu envolto em mistério, o que deu margem a várias teorias. Uns diziam que as sementes eram escaldadas em água quente, outros afirmavam que antes do plantio os jesuítas davam as sementes para aves domésticas ou não (falou-se até em tucanos) e só as plantavam após serem expelidas. Algumas referências afirmam, ainda, que eles obrigavam os índios das missões a ingerir as sementes inteiras, para que os sucos gástricos dissolvessem o invólucro de proteção que as impedia de germinar.

Propriedades

Um dos primeiros estudos científicos mais detalhados sobre as propriedades da erva-mate em terras brasileiras foi realizado por Joaquim Monteiro Caminhoá, professor de Botânica Médica, que o publicou em fascículos, entre 1877 e 1884.

Por ser uma planta de composição química complexa, a Ilex paraguariensis tem sido alvo constante de estudos e novas descobertas. Além do que já se conhece, as pesquisas têm indicado grandes surpresas com relação a esta planta.

Atualmente, sabe-se que a erva mate contém várias substâncias bioativas. A planta contém alcalóides (cafeína, metilxantina, teofilina e teobromina), taninos (ácidos fólico e caféico), vitaminas (A, B1, B2, C e E), sais minerais (alumínio, cálcio, fósforo, ferro, magnésio, manganês e potássio), aminoácidos essenciais, glicídios, lipídios, além de celulose, dextrina, sacarina e gomas. Muitos especialistas são unânimes em afirmar que a erva-mate pode ser considerada um alimento quase completo, pois contém a maioria dos nutrientes necessários ao organismo.

Os polifenóis e flavonóides constituem cerca de 30% da erva-mate e são responsáveis pelo gosto adstringente. Já os alcalóides cafeína, teofilina e teobromina são considerados os de maior interesse terapêutico.

De acordo com a literatura especializada, a erva-mate é considerada um estimulante que combate a fadiga, a sede e a fome, estimula a atividade física e mental, atuando de forma benéfica sobre os nervos e músculos. A planta tem demonstrado, ainda, propriedades diuréticas e laxativas,
Vale lembrar que as pesquisas estão apontando também que a combinação dos alcalóides presentes na planta - cafeína e teofilina - e a ação termogênica pode aumentar o gasto energético e, simultaneamente, promover a lipólise, isto é, a degradação das gorduras no organismo. Isso ajuda a explicar porque a Ilex paraguariensis tem feito tanto sucesso nos programas de emagrecimento.

Mas fica aqui o alerta dos especialistas: apesar de todos esses benefícios, a erva-mate deve ser usada com muita cautela pelos hipertensos, cardíacos e por quem sofre de insônia, agitação e tensão emocional.

E de onde vem o poder afrodisíaco que os índios atribuíam à erva-mate? Os estudos na área de nutrição também estão achando uma resposta para esta questão: o fato é que a Ilex paraguariensis contém altas concentrações de vitamina E, considerada eficaz na regulação das funções sexuais.

Curiosidades sobre a Ilex paraguariensis:

* Os índios da Bolívia, após retirarem o mel, utilizavam a sobra do favo para misturar com as folhas da erva mate e preparar um afrodisíaco usado contra a impotência e a infertilidade.

* O nome científico da erva mate – Ilex paraguariensis – foi dado pelo naturalista francês Auguste Saint-Hilaire, em 1822. Durante seis anos, ele percorreu as províncias do centro e do centro-sul do Brasil, recolhendo pelo caminho um grande acervo botânico, registrando suas andanças num diário de viagem que foi publicado na França, anos depois, em diversos volumes.

* A palavra “mate” vem do vocábulo quíchua “mati” ou “matty”, que significa “porongo” – a cuia normalmente usada para tomar o chá mate.

* Um estudo realizado pela USP apontou a ação da erva-mate na prevenção e tratamento da aterosclerose, doença causada pelo acúmulo de gordura nas artérias.

* O tradicional mate gaúcho ou chimarrão é a bebida preferida de Solano, personagem interpretado pelo ator Murilo Rosa na novela Araguaia, da Rede Globo (2010).

* Um estudo feito por cientistas da Universidade do Extremo Sul de Santa Catarina indicou que a erva mate pode ser útil contra o Mal de Parkinson. Depois de testar o extrato da planta em ratos induzidos à doença, eles observaram que algumas de suas substâncias mostraram-se capazes de protegê-los. Em outra investigação os animais receberam o fitoterápico com a medicação tradicional e os resultados foram ainda mais significativos. Parte das cobaias chegou a recuperar completamente os movimentos. Apesar de preliminar, o estudo comprovou que “a erva-mate pode ser utilizada na prevenção desse mal degenerativo e também como coadjuvante no tratamento”, afirmou a farmacêutica Luciane Costa Campos, chefe da pesquisa.

* Inicialmente os jesuítas tentaram uma campanha de difamação contra a erva-mate - que chamavam a “erva-do-diabo”. Mais tarde, quando passaram a dominar seu cultivo, passaram a chamá-la “erva-de-São Bartolomeu” e começaram a incentivar o seu uso com o objetivo de tratar o alcoolismo.

* Tamanha era a veneração que os índios tinham pela erva-mate – a qual chamavam "Erva de Tupá" - que, assim como os antigos egípcios faziam com seu Livro dos Mortos, os incas colocavam alguns ramos de erva-mate junto aos seus mortos, como forma de "abrir-lhes" os caminhos para o mundo do além-túmulo.

*Rose Aielo Blanco é jornalista especializada em jardinagem e ecologia, além de editora do Jardim de Flores.


Fontes de Pesquisa
http://www.das.ufsc.br
http://www.clubedasemente.org.br/mate.html
* Obesity (2009) 17 12, 2127–2133. Antiobesity Effects of yerba maté Extract ( Ilex paraguariensis ) in High-fat Diet–induced Obese Mi1-Altamari L. R.et al Cafeína: Efeito ergogenico nutricional no esporte. Rev.Bras. Cienc.,v.9 ,n.3 ,p.57 -64,jul.2001
* Antiobesity Effects of yerba maté Extract ( Ilex paraguariensis ) in High-fat Diet–induced Obese Mice Antiobesity- Efeitos do Extrato de erva-mate (Ilex paraguariensis) em alta de gordura da dieta induzida ratos obesos - Obesity (2009) 17 12, 2127–2133. Obesity (Silver Spring, Md.), v. 17, p. 2127-2133, 2009 -Demétrius P. Arcari 1 , 2 , Bartchewsky Waldemar 1 , Tanila W. dos Santos 1 , A. Oliveira Karim 1 , Alexandre Funck 1 , José Pedrazzoli 1 , FF Marina de Souza 2 , Mário J. Saad 3 , Deborah HM Bastos 2 , Alessandra Gambero 1 , Patrícia de O. Carvalho 4 e Marcelo L. Ribeiro 1
*CARINI, M. et al. Characterization of phenolic antioxidants from maté (Ilex paraguariensis) by liquid chromatography/mass spectrometry and liquid chromatography/tandem mass spectrometry. Rapid. Comm. Mass. Spectrom., v. 12, n. 22, p. 1813-1819, 1998.
* FELIPPI, R. Efeito do extrato aquoso de erva-mate (Ilex paraguariensis) na reatividade vascular: enfoque na aterosclerose experimental. 2005. 130f. Dissertação (Mestrado em Farmácia) – Programa de pós-Graduação em Farmácia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.
* HALPERN, A.; MANCINI, M. C. Tratamento Farmacológico da obesidade – drogas termogênicas. Arq. Bras. Endocrinol. Metab., São Paulo, v.40, n.4,p.224-227, 1996.
* HEINRICHS, R.; MALAVOLTA, E. Composição mineral do produto comercial da erva-mate (Ilexparaguariensis St. Hil.) Ciênc. Rural, v. 31, n. 5,p. 781-785, set./out. 2001.
* A. Funck. Efeitos anti-obesidade da erva-mate (Ilex paraguariensis) em camundongos. Dissertação de Mestrado (Strictu Sensu), Universidade São Francisco, 2008.
*E. C. de Morais, et al. Consumption of yerba mate (Ilex paraguariensis) improves serum lipid parameters in healthy dyslipidemic subjects and provides an additional LDLcholesterol reduction in individuals on statin therapy. J. Agri
c. Food Chem. v.57, p.8316- 8324, 2009.
* FELIPE, G. No Rastro de Afrodite: Plantas afrodisíacas na culinária.
*TUBINO, W. Os mistérios ocultos no chimarrão", Edição do autor, 2001

Nenhum comentário:

Postar um comentário